terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Primeiro Amor

Década de cinquenta, época em que falar é algo estritamente perigoso… Falar por falar? Besteira! Falar de falar? Falta do que fazer. Falar dos outros? Costume. Falar de amor? Pecado!
Ainda assim, havia pessoas que desrespeitavam as leis naturais e espalhavam ideias contraditórias. Certa vez, escutei um homem desesperado soltar blasfêmias sobre o tal amor, vociferava para uma plateia invisível: ‘’Queridos cidadãos, prestem atenção em minhas palavras! Jamais amem! Jamais! Amor não é confiável, ao contrário, ele é traiçoeiro. Pode dar-nos esperança e vida, no entanto, ele não hesita em toma-los de volta… Amor é rosa só de espinhos, formoso para quem vê e doloroso para quem toca.’’
Confesso que o discurso do homem não surtiu efeito em mim, não passei a odiar o desconhecido nem mesmo chamou-me atenção, pareceu-me bastante semelhante aos sermões que costumava receber por conversar alto ou dormir tarde, ambos desinteressantes.
Logo depois de encerrar o discurso, o sujeito saiu tropeçando em seus próprios pés. Recordo que ele andou em minha direção e exclamou baixinho: ‘’criança, enquanto não amar, será feliz.’’
Ainda sem compreender o assunto, cutuquei papai que estava ao lado e perguntei-lhe: ‘’o que é amor?’’ surpreso, respondeu-me com a cara feia: ‘’amor é verbo que não deve ser conjugado por crianças’’, desde então, nunca mais conversei com ele sobre esse tema.
Em três de novembro, passei muito mal e fui embora mais cedo da escola, no dia não havia ninguém em casa, então, fui caminhando até ao domicílio de minha avó; dona Carolina. Ela era uma senhora de sessenta e três anos que não aparentava ter passado dos quarenta, era jovem de alma, transparecia vivacidade em frases brincalhonas e passava o dia sorrindo, eu nunca soube quais eram os motivos de tanta alegria, no entanto, hoje em dia desconfio que era apenas o seu espírito leve marcando presença.
A dor que eu estava sentindo era tão grande que as lágrimas escorreram por todo o caminho, quando finalmente cheguei, percebi os olhos inchados e ainda assim, chorava feito bebê.
Assustada, vovó fez questão de saber que dor era aquela que me enlouquecia e fazia perder o chão, por alguns minutos, ocupei-me admirando os lindos olhos de minha avó que emanavam preocupação. Respirei fundo e comecei: ‘’faz algumas semanas que perdi o controle de meu corpo… Sinto estar doente. Consigo morrer e renascer num único minuto! Não domino os pensamentos, são todos involuntários, o coração acelera sozinho e tenho medo dessa felicidade repentina. Tenho medo de ela ir embora.’’
Quando terminei, dei um leve suspiro e pude sentir o rubor subindo a face. Fiquei encarando aqueles olhos azuis, todo o corpo tremia a espera do veredito final, no entanto, o silêncio foi quebrado da forma mais inesperada possível; uma gargalhada de dona Carolina.
Lembro-me como se fosse hoje, ela colocou as mãos no meu ombro e falou tranquilamente: ‘’Amor queima por dentro, mas não mata. Grita no silêncio, mas não ensurdece. Beija-lhe na alma, mas não casa. Amor é pássaro livre, às vezes vem, mas sempre vai.’’
Quem me dera todo o medo e aflição ter passado, ambos continuavam aqui, dominavam-me por dentro e faziam arruaça até tarde, no entanto, ela tinha razão…
Primeiro amor dá medo, os sentidos misturam-se ao desconhecido, as pernas ficam bambas, a lógica foge e deixa-nos a deriva da emoção. Primeiro amor aterroriza, faz qualquer grandão tremer e ficar mansinho, os sóbrios tornam-se bêbados de emoção e os bêbados caem, eles tropeçam diante da realidade, os vícios mudam e as pessoas também. Primeiro amor não tem conceito nem hora marcada, um dia simplesmente acontece. Lembro que renasci das cinzas, chorei por noites seguidas, senti o inexplicável, voei e pousei ao chão, por fim, simplesmente amei e hoje compreendo o porquê que primeiro amor, a gente nunca esquece.

Taline Kihara

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